"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


sexta-feira, 5 de março de 2010

O assalto

D. Maria saiu cedo de casa e mesmo antes de chegar ao destino já sabia que tão cedo não retornaria. Apesar de saber que tentar receber uma ordem de pagamento de um pouco mais de R$ 200,00 era uma tarefa bastante simples, a fila que circundava o Banco do Brasil não a autorizava a ter esperanças.

Enquanto a van faz o percurso até a Cidade Nova, ela deixou o pensamento viajar. Eram mais de 20 anos de Parauapebas. Ela e o marido fizeram parte das quase cinco mil pessoas que invadiram a área do bairro da Paz. De lá para cá muita coisa mudara, criara filhos, ficara viúva e para complementar a aposentadoria de um salário, recebia uma espécie de mesada de um filho , que trabalhava fora.

Apesar dos 68 janeiros, D. Maria era bastante sacudida e já recebera algumas propostas de casamento, inclusive de um “caboco” bem mais jovem, contudo, o bom senso a fizera recusar; a vida estava cheia de exemplos ruins. Não, decididamente ela nascera para ser mulher de um só marido.

Com se fosse uma receita de bolo, todo dia 2 de cada mês era o mesmo ritual. Vestido vermelho, sandálias de salto baixo por causa das eternas dores nas pernas, uma lista de compras no supermercado e pagamento da energia.

Depois de duas horas na parte externa do banco a fila finalmente andou e lá se foi aquela multidão para o interior do banco pagar boa parte dos pecados. Depois de retirar a sua senha para a fila de idosos, grávidas e lactantes ela constatou que havia pelo menos 30 pessoas à sua frente. Era preciso respirar fundo, ter paciência e se preparar para sofrer. Sofrer com a fila que não andava, com as incomodas dores nas pernas e na coluna, com o cheiro ruim de desodorante vencido do sujeito ao lado, com o odor de enxofre de produto para alisar cabelo e com a fome que dava o ar da graça. Ao ver a insatisfação estampada na cara dos usuários, o quase desmaio de uma grávida na fila, a dona-de-casa pensou que talvez estivesse tendo uma visão do inferno, principalmente quando presenciou uma penca de desaforos de um funcionário branquelo, que jamais entendeu o significado do termo “servidor público.

Por volta das 16 horas, mais morta do que viva ela sai do banco em direção ao supermercado. Não andou muito. Menos de 300 metros depois um dupla de trombadinhas a acompanhou De repente ela sentiu a pressão de uma objeto cortante nas costas. O que parecia ser mais velho, de olhos avermelhados e frios avisou roucamente: ­ - Isso é uma assalto dona, passe a grana que você tirou do banco e não olha para trás - Essa é a história de D. Maria, mas poderia ser de Francisca, de Clarisse, de Joana, de ..,

(artigo publicado no jornal HOJE, edição 404 - Coluna do Marcel)

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