"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


segunda-feira, 5 de março de 2012

O trabalho sujo dos gatekeepers ou selecionadores


Infelizmente o jornal, ou melhor, o jornalismo, a exemplo de outras atividades tem dilemas estratosféricos que muitas vezes ameaçam inviabilizar a sua existência. Falo do jornalismo enquanto empresa e não apenas o trabalho do profissional de comunicação que está focado em levar à redações furos de reportagens, uma boa matéria para o seu cliente, o leitor.

Mesmo com a aura da onipotência, as empresas de comunicação estão envolvidas em camisas de força que muitas vezes comprometem a produção de matérias com conteúdo. Uma ditadura branca está presente na maioria das redações. Diferentemente da censura explícita dos anos de chumbo da ditadura, que fabricou fantoches travestidos de jornalistas (os que não se sujeitaram foram presos, torturados, tiveram que ir para o exílio ou mudar de profissão), a ditadura moderna imposta de cima para baixo está nas redações de jornais, revistas televisões e até nas novas mídias, como sites, blogs etc, etc, etc. Essa nova ditadura, ladina e quase imperceptível aos olhos menos atentos determina o que será notícia e o que deve ser ignorado. Os gatekeepers, termo utilizado nos EUA significa selecionador, ou pessoa, grupos, cujas atribuições são a de liberar o que deve ser notícia e bloquear convenientemente o que não deve estar ao alcance das massas. Eles são figuras obrigatórias nas redações de jornais, nas centrais de jornalismo de TV e rádio.

Apesar do termo Gatekeeper ter sido criado ainda no século passado, a prática de liberar ou bloquear informações é atualíssima. Diferentemente dos chamados anos de chumbo, quando foram baixados atos institucionais, que suprimiram liberdades individuais, fecharam o Congresso Nacional e impuseram a censura a uma imprensa suscetível por definição, a nova ordem dispensa o elemento externo, a força dos fuzis e a presença de censores nas redações. É algo muito mais implícito e por isso, mais perigoso. No lugar de funcionários do governo, flutuam como espectros dos interesses dos grupos econômicos e políticos, os selecionadores, funcionários da própria empresa, chefes de redação, que por sua vez recebem determinações dos editores e dos proprietários das empresas de comunicação.

Nessa sistemática, por medo de contrariar proprietários de veículos de comunicação e por consequência perderem os empregos, jornalistas que sonhavam mudar o mundo, acabam contribuindo para a mediocridade geral. Os que se insurgem contra o rolo compressor são marginalizados e têm dificuldade em se estabelecerem. Às vezes, precisam desenvolver um trabalho paralelo, cercado de dificuldades.

Desse modo há os que praticam o chamado jornalismo de mercado e os que ainda cultivam a saudável prática do jornalismo ideólogo. É evidente que essa parcela está cada vez mais escassa.

Ainda que o sistema empurre o jornalista para a vala comum da conveniência, se espera de um bom jornalista um comportamento comprometido com a verdade, visto que a profissão é bem mais do que um estado de espírito; é um sacerdócio, que a maioria das vezes provoca reflexões, sofrimento e uma boa dosagem de desassossego.

(Artigo publicado no jornal HOJE - Coluna do Marcel)

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